quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Fábula sobre o ensino público de baixa qualidade




Na fazenda de Trás-dos-Montes, galos eram bons padeiros. Esse era indiscutivelmente seu melhor e mais apreciado dom. Madrugadores, o ofício chamava-os naturalmente para meter-se diante do forno e preparar alimentos para toda granja e chiqueiro. Contudo, se tinham a destreza da alquimia necessária à produção de pães, o mesmo não se podia dizer da sorte ou aptidão para empreender sua própria padaria. Assim, ainda que houvesse demanda diária e desejosa dos pães que poderiam oferecer, não possuindo padaria, os galos viam-se de mãos atadas.

Por outro lado, no chiqueiro havia um porco, mestre na arte demagógica e, apesar dos métodos questionáveis, zeloso administrador. Se estava na natureza dos galos fazer pães, na do porco em questão estava tocar um negócio e explorar galos. Desse modo, o destino - que os colocara na mesma fazenda - inspirou neles a ideia de partilhar o mesmo ramo de atividade. Em verdade, o porco nada tinha com o negócio de padarias, mas, reconhecendo a demanda, viu na atividade uma forma de se fazer famoso e respeitado. Ademais, com tantas pessoas envolvidas entre padeiros e clientes, certamente poderia tirar outras vantagens da rede de padarias que estava disposto a administrar. 

O porco convenceu o fazendeiro que ter padarias seria um bom negócio. Desse modo, surgiu o empreendimento a partir das articulações do astuto porco. Tudo iniciado, foi o porco ter com os galos.

Os padeiros, desejosos de viver de seu ofício natural, aceitaram trabalhar para a fazenda por intermédio do porco. Este ofereceu-lhes salário, condições de trabalho e clientela vasta. Os galos ficaram felizes. Assim, as aves madrugadoras começaram a fazer belos e saborosos pães. Todo o chiqueiro e granja ficaram jubilosos com a novidade e possibilidade de comerem alimento tão essencial à manutenção da vida.

Contudo, com o passar do tempo, os galos sentiram que seu pagamento não era justo, tampouco suas condições de trabalho na padaria. De qualquer modo, as leis de mercado da granja, do chiqueiro e da fazenda eram claras: era possível reclamar com o patrão porco, fazer greve ou demitir-se. Apesar disso, os galos enveredaram por caminho menos eficiente e mais tortuoso. Não reclamavam com o administrador das padarias, mas entre si. Eles, em grande quantidade, desgostosos, não buscaram fazer pacto com a clientela para pressionar o porco explorador, também não fizeram greve. Os galos - senhoras e senhores! - começaram a contentar-se em maldizer a vida, o porco, a padaria e os clientes.

Nesse estado de coisas, obviamente nada melhorou para eles. A insatisfação, no entanto, atingiu índices recordes nas pesquisas.

Não pediram demissão.

Assim, nem salário, nem condições de trabalho melhoraram.

Outro fenômeno, no entanto, aconteceu.

Como o desânimo tornou-se geral, os galos começaram a comprometer a qualidade dos pães. Pães que eram bem assados e consistentes passaram a ser entregues crus.

Ninguém aguenta pão cru.

A granja e o chiqueiro ficaram desgostosos e quiseram uma solução.

A população procurou os padeiros. Os padeiros culparam o porco. O porco, astuto, marcou uma audiência com a população e mostrou os fornos e padarias. Mostrou também que não deixava de pagar o salário dos galos - maior que o da média da clientela.

Todos viram:

- o forno era ruim, mas funcionava.
- as instalações eram precárias, mas úteis, assim como os ingredientes dos pães.
- o salário era baixo, mas o galo não morreria de fome nem corria o risco de ser demitido.
- a única coisa que cabia ao padeiro era fazer pães.

Uma lúcida galinha, então, deduziu e ponderou:

- Bom, minha gente, se o galo está insatisfeito, em parte é culpa do porco, mas, se o pão está cru, a culpa é somente do padeiro!

O porco riu-se; ela tinha razão.

Os galos não gostaram do comentário, mas, ainda assim, a galinha tinha razão.

Calaram a galinha com vaias. Chamaram-na de burguesa. Disseram que estava mancomunada com o porco para dizer uma barbaridade daquelas.

Houve discussão, falatório, acusações.

A reação foi tamanha, que a galinha chorou uma noite inteira e passou a pensar que talvez não estivesse certa; o mundo talvez se dividisse mesmo em porcos do Mal e padeiros do Bem.

O porco continuou a rir-se.

Os galos continuaram a servir pães crus.

A população?

A população acostumou-se a comer só as bordinhas ínfimas dos pães, única parte a esquentar um pouco no forno de modo a tornar suportável o alimento.

MORAL 1: Porcos não temem galos.

MORAL 2: Se há salário, forno, ingredientes, padaria e clientela, o pão cru é culpa do padeiro.

MORAL 3: A população não se compadece de padeiros, devido à MORAL 2.

MORAL 4: A população se acostuma com pães crus.

COMENTÁRIO: Porcos temeriam a população e os padeiros, mas, como existe a MORAL 1, 2, 3 e 4, porcos acham graça em tudo isso.




 

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