segunda-feira, 5 de junho de 2017

Bolsonaro: combater o mito?


Na verdade, este texto não é sobre o Bolsonaro, mas, se uma referência a ele consta no título, é porque este artigo nasce inspirado em algumas reflexões que partem de dois elementos que considero dignos de estudo: o discurso do "mito" e a abordagem que frequentemente seus antagonistas utilizam para combatê-lo.
Vou começar pelo segundo elemento, pois há um bom tempo a expressão "primeiramente" foi monopolizada pelo complemento "Fora Temer". Diga-se de passagem, algo a que eu não me oponho.

Enfim, voltando à questão.

Costumo dizer que os detratores do nobre deputado, principalmente os jovens de espírito revolucionário, aparentemente têm se tornado os mais eficientes cabos eleitorais de Bolsonaro. Suas intervenções com enfrentamentos e perguntas parecem mais coisa daqueles times adversários no vôlei em que a estratégia equivocada de um dos oponentes resulta desastradamente em acabar levantando a bola para o adversário cortar com fúria e de modo indefensável. E podem ter certeza, meus amigos, o Bolsonaro corta sem dó - esse tipo de jogada não é novidade para ele. No fim, ele ainda aumenta mais sua popularidade, convencendo seus adeptos de que ele é de fato um mito. 

"Um estuprador e um assassino não merecem uma segunda chance?"
"A vítima terá uma segunda chance?" - rebate ele acertadamente quando o tema é pena de morte.

"Um criminoso apodrecerá em uma cadeia em péssimas condições?"
"Pensasse antes de cometer o crime." - lucidamente se ancora na responsabilidade que cada indivíduo deve ter sobre os próprios atos.

"Cada um deve ter o direito de portar sua própria arma e defender-se." - lógica irrefutável do princípio da legítima defesa.

Não adianta se indignar, essas respostas tocam em pontos sensíveis a qualquer um que se sente na iminência de sofrer ou que já sofreu algum tipo de violência.

Estudo argumentação já faz um bom tempo e um pouco de experiência que tenho de vida me leva a considerar que, mesmo bombástico, há um sentido na fala do mito. E aqui acho mito uma palavra bem adequada: os mitos com os quais trabalha o Bolsonaro.

Não vou negar, e sei que posso ser muito criticado por isso, acho o nobre deputado uma pessoa que tem carisma - não do tipo que me cativa. Fala firme, com convicção, diz na lata, como um tiro, tem uma lógica clara, sem academicismos e reticências, uma fala que mexe sobretudo com quem se sente vivendo em uma sociedade caótica, em que falta segurança e regras claras de conduta, e na qual valores tradicionais vão se desconstruindo. É a fala da ordem num contexto de valores meio débeis e inconstantes. É, portanto, a fala de um líder - não do líder que eu gostaria de ter, mas do líder do qual muitos sentem falta - e por isso alguns o amam e outros o odeiam. O julgamento morno não costuma acompanhar esse tipo de pessoa. Para alguns, ele é um mítico herói, para mim: não exatamente um mito, mas um personagem folclórico, cujo tempo há de passar e espero sem muitos estragos.

Feitas essas considerações, agora vamos à questão real deste texto. A partir daqui, procurarei respeitar meu leitor mais do que fazem os políticos e - acredito - trabalharei as ideias que combateriam de fato o fenômeno Bolsonaro, não em enfrentamentos públicos, mas nas discussões sérias que contribuem para tirar o ibope de discursos fast-food.

Para isso, gostaria de iniciar com uma questão central de muito interesse do deputado e da população: polícia e segurança pública.

Quem é o policial hoje?

É alguém que entra para a corporação por diferentes motivos. O melhor deles talvez seja o senso de dever e justiça, a vontade de servir e combater o crime. Uma pessoa como essa - não que todos sejam assim - deve ser uma reserva moral não só da polícia, mas da própria sociedade - que infelizmente tem aprendido a temê-lo ou odiá-lo.

De que ele precisa?

Basicamente, ele precisa de dois tipos de formação. Uma é a formação sobre os direitos constitucionais. Ele precisa ter a percepção de que em uma sociedade democrática o valor está no diálogo, no consenso, no bom senso. Isso é essencial no trato com o cidadão comum. A questão da subordinação irrestrita e da obediência cega, sem espaço para o contraditório, tem seu lugar nos quartéis, não com o cidadão honesto, independente de sua cor, idade e classe social.

Contudo, a linguagem no trato com o criminoso comum é de outra natureza. É a linguagem da autoridade, da contenção, da subordinação sim. É a linguagem com a qual o cidadão comum não está acostumado, mas é essencial para o policial. Ele precisa saber utilizá-la, não simplesmente para constranger o bandido, mas para tornar o trabalho policial menos penoso, menos desgastante do ponto de vista psicológico e até físico.

Outro aspecto importante é que esse policial tenha preparo para distinguir o cidadão comum do bandido, de modo a adequar sua linguagem, sua abordagem. Essa formação, antes de tudo, só tende a favorecer esse profissional, tanto em seu status diante da sociedade quanto em sua prática cotidiana. O exercício do uso dessas duas linguagens deve ser revisitado continuamente e considerado elemento de valor à profissão.

É também de extrema relevância que o policial tenha aparato adequado para lidar com o crime. Armas obsoletas ou pouco confiáveis colocam a vida desse profissional na mão de bandidos que, diga-se de passagem, têm muitas vezes prazer em alvejar policiais e o fazem sem pena ou remorso.

E nesse ponto creio que seja válido chamar a atenção sobretudo dos chamados cidadãos de bem: a maior parte do tempo é com bandidos que o policial está lidando para que você e eu estejamos em segurança. Ele faz por um salário relativamente baixo aquilo que nem eu nem a média das pessoas faria por dinheiro algum: arrisca a própria integridade física, a vida e até a segurança e conforto dos familiares.

Creio que seja válido também lembrar que muitos acreditam que liberdade de expressão seja algo irrestrito, ou seja, vale xingar, esconder o rosto em uma manifestação, pichar e fazer birra contra autoridades policiais a exemplo de crianças mimadas. Bom leitor, na verdade, pela Constituição, não é bem assim. Aliás, todos deveríamos ao menos conhecer um pouco esse documento antes de fazer uso de nossa liberdade de expressão, seja em uma conversa, em redes sociais ou em manifestações. Todo manifestante deveria também considerar o direito à liberdade de ir e vir, antes de decidir arbitrariamente tomar uma rua ou avenida, de modo a constranger motoristas - cidadãos - a não chegarem às próprias casas, irem a hospitais, delegacias ou aonde quer que desejem e precisem ir. E se pareço fazer o papel de advogado do diabo, gostaria de lembrar que essas leis nos servem como coletividade, não foram feitas simplesmente para servir ao contexto que particularmente nos interesse. Outro ponto importante: não temos o direito ao anonimato ao nos expressarmos na maioria dos casos, por isso, vamos tirando o lenço do rosto - a não ser é claro naqueles momentos críticos de exacerbação da outra parte - uma vez que o tema deste artigo não são as vidas e práticas dos santos.

Pichadores de protesto também precisam saber que os muros, embora estejam por todas as partes sem ninguém que os olhe, têm donos, nenhum protesto que deprede um bem público (de todos) ou privado (de alguém) por mera conveniência deve ser tolerado socialmente e validado dentro de um relativismo. E se a ideia não parece muito clara ao leitor pichador de protesto, imagine alguém entrando em seu quarto quando você não está lá e pichando "Fica, Temer!". 

O muro de quem mora em uma casa é o muro que esse morador tem de ver todos os dias e no qual ele não escreveu nada para o próprio deleite ou para protestar. 

Voltando à questão da segurança pública, outro ponto sensível que toca a sociedade, mas sobretudo o policial, diz respeito à fragilidade e leniência das leis e ao sentimento de impunidade diante de quem utiliza as brechas e falhas da legislação para se proteger da punição de seu delito ou crime. Imagine quão frustrante é arriscar a vida para impedir que alguém faça mal a outra pessoa direta ou indiretamente para depois ver esse indivíduo completamente livre de qualquer reparação ou responsabilidade. Embora eu apresente a ideia de modo abstrato, essa é uma realidade muito comum no universo policial. Resultado: indignação, somada ao ímpeto para o justiçamento - ou seja, uma extrapolação do direito de autoridade. Óbvio que essa prática não é correta, mas o fenômeno é compreensível se experimentarmos minimamente nos colocarmos do lado do policial (Repare, não disse que é certo!).

Agora, vamos ao ponto que creio ser o mais relevante: matar bandidos. 

Matar pessoas é algo a cuja imagem, de modo geral, já nos acostumamos. Os filmes fizeram isso com a gente. O mocinho mata o bandido. O processo de catarse criado no cinema nos faz desejar o homicídio da representação do mal. O mocinho concretiza nosso desejo. Ficamos todos aliviados com o final marcado pela morte do bandido fake.

Contudo, quem mata uma pessoa dificilmente volta a ser psicologicamente o mesmo de antes, ainda que tenha justificativas irrefutáveis e legítimas para ter agido do modo como o fez. Não é difícil que esse policial entre em um estado de conflito de valores, que envolvem moral, senso de dever e até religião. O ideal é incentivá-lo a continuar na profissão com lemas do tipo "bandido bom é bandido morto", "antes ele do que eu e alguém da minha família", ou proporcionar a ele atendimento psicológico periodicamente, reforçando a importância de sua função de proteger a sociedade - algo bastante diferente de justiçar bandidos?

Chegamos, então, ao ponto que desejava. Se a sociedade não consegue reconhecer o policial como um ser humano acima de tudo e delega a ele a função heroica do protetor a quem tudo é permitido, ou, pelo contrário, veste-o com a fantasia de vilão, para o qual cada ação é expressão de abuso, não é possível melhorar verdadeiramente a questão da segurança pública no país. 

O que sinto é que somente o Bolsonaro e poucos do estilo dele olham e falam pela classe policial, enxergam esse profissional e o valorizam - infelizmente com um discurso em que a solução vem por meio de respostas fáceis e simplificadoras. A oposição ao mito, em contrapartida, parece nunca ter algo consistente a oferecer como alternativa às questões de segurança. 

Assim, nossas leis continuam sem ser discutidas com seriedade na mídia, as penas para crimes graves frequentemente são relativizadas, há indultos para bandidos e, onde o Estado não está presente, criminaliza-se o cidadão que procura por recursos próprios - geralmente inadequados - proteger-se.

É bom considerar que uma coisa é não portar armas em lugares em que há policiamento ostensivo e práticas de civilidade, outra coisa é estar em áreas rurais e urbanas desassistidas pelo poder público à mercê de pessoas que se valem dessa deficiência do Estado para protagonizar desde os crimes mais simples até os mais cruéis.

Então é que proponho as seguintes reflexões:

- Defender um país no estilo velho oeste ou considerar a possibilidade do aprimoramento da segurança pública - até por meio da tecnologia - a áreas a que o Estado não chegou de modo eficiente ainda?

- Defender o uso da violência como recurso policial ou o uso racional da força e da autoridade como forma de contenção ao contraventor ou criminoso?

- Defender a pena de morte - que será basicamente recurso aplicado a criminosos ou bodes expiatórios de baixa renda - ou a reforma do código penal, considerando, por exemplo, crime hediondo o "desvio" de dinheiro da saúde para fins particulares de políticos e empresários?
(Será que podemos falar em prisão perpétua e trabalho forçado em vez de cadeias que são verdadeiros escritórios do crime organizado em que há mais números de celulares operando do que em algumas empresas?)

Enfim, o papo vai longe... Mas o que espero é que, mais do que ataques a Bolsonaro, encontremos alternativas a ele, representantes políticos que se posicionem de maneira clara sobre a questão da segurança e da cidadania, pois se eu estivesse em lugar perigoso, como são tantos no Brasil, e se eu fosse um policial ou tivesse um familiar na corporação, entre Bolsonaro e ninguém, em quem poderia votar?
Combater o mito, tudo bem, mas quem colocar no lugar dele?

P.s.: quanto a questões como racismo e homofobia, fica para outro texto.







2 comentários:

  1. Muito bom o texto!
    Você deixa a dúvida se outros presidenciáveis estão pensando nos policiais como Bolsonaro está. Creio eu que o Ciro Gomes tem posições muito próximas às suas (e minhas), mas se teria fôlego para defendê-las é oooutros 517.
    Fora da esfera presidenciável, o Marcelo Freixo historicamente tem militado nessa causa, desde a CPI das milícias (que serviu de inspiração ao filme Tropa de Elite 2). Frequentemente ele se envolve com policiais e os ampara em suas dificuldades. Gostaria de vê-lo como governador do RJ para ver como lidaria com essa situação.

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  2. Khalil,
    Segundamente, obrigado pelo comentário.
    Você citou o que considero dois bons nomes como alternativas ao discurso raso que se faz na política. Sinceramente espero não me decepcionar com ambos.
    Por esse motivo, gostaria de encontrar nas redes mais falas deles sobre questões polêmicas, em vez de encontrar mais exaltações e ataques a Bolsonaro.
    Penso que atualmente é mais interessante ser pró-alguém (que represente um conjunto de ideias consistentes) do que contra alguém cujas ideias e valores me desagradem.
    Penso que o Freixo tem carisma e discurso, o Ciro Gomes tem discurso, mas nada disso tem sido potencializado fora de época de eleição. Por outro lado, o mito já está em campanha há muito tempo...

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