quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Corpos da mulher


Antes de escrevê-lo, já sei que este texto é polêmico. Ele é assim, pois, quando respeitamos nossa subjetividade, não precisamos fazer concessões - fazê-las, muitas vezes, é se trair. Aqui você lerá reflexões de um homem hetero sobre um dos temas que mais atraem pessoas desse tipo: a mulher e seu corpo. Vou fugir às generalizações, porém prefiro substituir o termo "eu" por homem. Sei que muitos de nós - homens - não concordarão com o que vou escrever - isso também não me preocupa -, pois acredito que outros tantos devem sentir da mesma forma que eu e encontrarão talvez certo consolo nestas linhas.
Certamente, a relação de todo homem com o corpo feminino começa no contato com o corpo da mãe. Sobre isso, no entanto, não posso escrever, pois é assunto cujo entendimento me falta. Contudo, por experiência, sei que muito do que o homem aprende sobre o corpo feminino ele o faz ao perceber como a mãe ou outras mulheres ao seu redor tratam o próprio corpo. O excesso de pudicícia ou a naturalidade com a qual as mulheres da casa lidam com a carne que lhes reveste a alma determinará, na criança do sexo oposto, certas curiosidades ou modo de tomar contato com o corpo do outro sexo. O que essa ou essas mulheres descreverem como belo no corpo feminino também afetará a percepção estética da criança sobre o próprio corpo e o corpo alheio.
Lembro-me de que, quando criança, até meus onze anos, o único recurso de que dispunha para avaliar a beleza feminina eram referenciais da face. Uma menina ou mulher eram bonitas para mim pelo rosto. O melhor de tudo é que não existia exatamente um padrão e, por esse motivo, as meninas de minhas primeiras paixões tiveram rostos muito diferentes: rechonchudos, esguios, morenos, orientais, rosados. Na face também, além dos sinais físicos, transpareciam os sinais do mundo interior, como a simpatia, que podia tornar a menina muito mais atraente.
Por sorte, nos idos de 1980, eu não era refém da mídia e de seus close-ups, dos padrões de roupas e penteados. Era só um menino interagindo com outras pessoas de minha idade.
Nessa época, aos 11, dei meu primeiro beijo. Era C., uma menina de mesma idade. Apaixonei-me pelo sorriso, pelo rosto, pelos cabelos. C. era boliviana, fenotipicamente uma índia inca. Fora dos padrões das revistas, das propagandas, da TV e do cinema. Na época, eu era feliz por não reconhecer padrões.
Infelizmente não namoramos, isso devido à minha incapacidade emocional e intelectual de levar uma conversa adiante ou mesmo ser realmente carinhoso e agradável. 
Na mesma época tive contato com a revista Playboy. Um vizinho meu jogara algumas no lixo. Tendo-as encontrado, tinha a impressão de que tê-las me tornaria mais homem. Peguei-as. As imagens das mulheres eram ao meu ver lindas, sendo suas protagonistas completamente diferentes das mulheres que conhecia. Não eram eroticamente interessantes para mim, mas didáticas, uma vez que aprendia como seriam os ambientes com apelo erótico e como as mulheres deveriam supostamente agir para se tornarem sexualmente desejáveis.
Nesse momento, o imaginário acerca da mulher dividiu-se em dois: a mulher real e a mulher da revista.
Felizmente, naquela época, a mulher real continuou, para mim, mais interessante. 
Com uns doze anos mais ou menos, aprendi a olhar a bunda feminina. E por isso sei que esse hábito tão característico do brasileiro resulta de um aprendizado. Alguns amigos de escola haviam aprendido antes de mim, e - por causa deles - aprendi, observando os comentários, qual era o mais belo e o ideal. Aprendi também sobre a estética dos seios, das pernas, da barriga, da face, dos cabelos, dos olhos. Fiquei diplomado na beleza da mulher brasileira. A partir daí, um pouquinho de televisão e cinema contribuíram para o refinamento de minha educação nessa área apaixonante do conhecimento.
Resultado, tornei-me um adolescente crítico, adotando um verdadeiro padrão de qualidade, um padrão de tão alto nível que certamente barrou a possibilidade de eu me relacionar de maneira mais espontânea e interessante com o sexo oposto.
Talvez eu estivesse indo por um caminho perigoso não fosse uma situação providencial: um encontro com o passado.
Pois é, lembram-se da garota boliviana? 
Então, contava eu 19 anos quando encontrei-a por acaso na rua. Ela estava linda, tinha a mesma idade que eu. Seus cabelos tinham ainda o mesmo brilho e efeito hipnótico, sua boca continuava linda, assim como os olhos e todo o resto. Embora minha personalidade houvesse mudado - eu certamente me acreditava mais sério, mais adulto - a dela parecia ainda a mesma de oito anos antes. Uma pessoa leve, simpática, doce.
Conversamos um pouco e foi o bastante para reacender um suave gosto do primeiro amor. Aproveitei para insinuar a possibilidade de um novo encontro; ela acenou-me um adeus: havia alguém em sua vida.
Nos despedimos, e segui meu caminho para casa. 
"Como ela estava linda!" - pensei.
Comecei a analisar como ela se transformara da pré-adolescência até a juventude. Pouca coisa mudara, e tudo para melhor.
Então, uma surpresa: pensei nos traços dela, na estatura, no corpo fora dos padrões consagrados, completamente fora de qualquer referência exaltada na mídia. 
"Afinal de contas, ela era feia?"
Pareceu-me que ela era feia. Minha razão o disse e reafirmou.
Foi estranho digerir o fato de que ela era linda e feia ao mesmo tempo.
Tentei refletir sobre o que dava forma ao absurdo de eu me sentir atraído por uma menina feia, que a mim parecia bonita.
Então, fazendo algumas desconstruções, finalmente entendi: 
Ela era de fato linda! - meu coração me ajudara a organizar os pensamentos.
E foi isso que me fez entender que a minha infância e pré-adolescência haviam me ensinado a ver a beleza feminina, enquanto o mundo dos homens, ao me condicionar a ver um padrão de formas idealizadas, tornara-me cego para enxergar a mulher que vive infinitamente mais bela dentro de toda mulher.

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