quarta-feira, 3 de abril de 2019

Mulher, aprenda a matar!

 MULHER, APRENDA A MATAR!

 Frequentemente, reposto em minha rede social notícias de violência contra mulher, sejam elas desastrosas ou de casos raros em que a vítima consegue defender-se, acompanhadas de legenda idêntica ao título deste texto, o qual defino como síntese de minha profissão de fé sobre o tema e também como provocação. Alguns amigos, embora raros, vez ou outra mencionam este lema fazendo referência a mim, mas ninguém até hoje havia me perguntado, para fora da obviedade, o que ele realmente significa.
Estipulei, no entanto, a mim mesmo, que, quando alguém me perguntasse, responderia à questão por meio de um artigo de opinião como este. Não obstante, antes de continuar, preciso lembrar que este é o texto de um homem branco, hetero e de classe média, que, portanto, jamais sofrerá violência física, psicológica ou simbólica, motivada por sua característica bio-sexual, de orientação sexual, de traços étnicos ou condição social que venha a afetar direta e profundamente sua vida. Isso esclarecido, proponho algumas reflexões a fim de defender a ideia que tenho sustentado de que é necessário aprender a matar. A primeira questão inerente ao aforismo é a ideia de violência. E violência é algo que, uma vez manifesta, perde sua previsibilidade e, portanto, possibilidade eficiente de controle. Não há certezas diante de eventos violentos a não ser o de que, concomitante a eles, haverá medo, talvez pânico e, certamente, prejuízos. Os danos podem se dar em diferentes níveis, afetando desde a dignidade simbólica até a material e corporal. A violência sexual, em especial, deve ser a que mais afeta com muita profundidade quase todos os níveis de dignidade, sendo assim a mais aviltante e terrível. A não ser em contextos muito específicos, um homem teme por sua dignidade no sentido de receber agressão sexual, contudo, nesse prisma da questão, não são poucos os homens, assim como mulheres, que carregam chagas abertas de violência sexual sofrida na infância. No entanto, gostaria de me ater mais detidamente à questão da mulher jovem e madura, a quem exorto: aprenda a matar!
Por que isso? Seria uma posição radical? Eu poderia dizer, aprenda a se defender. Soaria mais politicamente correto, porém não seria correto com minha própria visão atual de mundo. Aprenda a matar possui um peso diferente de aprenda a se defender. Aliás, muitos cursos de autodefesa para mulheres não parecem suficientemente realistas para garantir-lhes verdadeiramente a integridade física.
Penso que a grande questão está no fato de que, além da inegável cultura do estupro presente em nosso país e sobre a qual não convém discutir agora, pesquisas sobre feminicídio demonstram o quanto mulheres são agredidas, violentadas e mortas por homens de seu círculo íntimo. São eles frequentemente namorados, ex-namorados, maridos e ex-maridos. É evidente que há outros casos, mas esses são muito simbólicos em vários sentidos. Isso porque nesses casos os algozes desfrutam de circunstâncias em que suas vítimas ficam desprotegidas por completo. E quando se está frente a frente com um agressor em quem há poucos instantes se confiava, se não houver preparo real não exatamente para conter agressão mas agredir de modo eficiente em resposta ou já como prevenção, as chances de ocorrer o pior a quem não merece, ou seja, a vítima, é realmente muito grande, muito grande mesmo. Em momentos críticos assim, é quase impossível contar com a sociedade ou com o Estado. Nesse sentido é que peço empatia do leitor para minha tese – ainda que tenha completo direito de abandoná-la mais tarde - , estou tratando aqui de dados de realidade, não do que seria ideal.
 Quando alguém diz eduquem-se os homens para não serem escrotos assim, só posso dizer que concordo plenamente, entretanto pergunto: quando esse novo homem ideal será uma realidade?
Durante décadas vamos nos perguntar onde ele está enquanto mulheres continuarão a ser espancadas, estupradas e mortas?
Mulher, é urgente, aprenda a matar!
 O aprender a matar a que me refiro vai do literal ao simbólico. Nas artes marciais sérias, indistintamente, é bastante interessante observar que se aprendem golpes dos mais simples aos mais críticos. São projeções, torções, enforcamentos, esquivas, chutes, socos, enfim, movimentos que podem gerar lesões muito sérias e, inclusive, levar o oponente à morte. Há ainda técnicas com lâminas, sprays e até armas de fogo, que podem ser empregadas com eficiência, desestimulando um agressor ou sendo utilizadas em vias de fato para contê-lo, deixá-lo inconsciente ou até matá-lo mesmo. No contexto das artes marciais e cursos sérios de autodefesa, essas técnicas são ensinadas e treinadas exaustivamente, privilegiando-se a ética e o bom senso. Ninguém está ali para agredir propositalmente, intimidar ou abusar de ninguém. As pessoas estão em busca do desenvolvimento de seus reflexos, potencialidades corporais e de técnicas eficientes para impedir que qualquer tipo de agressor consiga de fato se beneficiar covardemente do despreparo de sua vítima.
Gostaria ainda de lembrar que o caminho marcial não é exatamente como o dos esportes vistos na TV, pois em eventos é proibido o uso de técnicas mais objetivas e eficazes para se inviabilizar o ataque de um agressor, afinal atletas não podem sair aleijados ou mortos de um ringue. É válido lembrar também que entender aspectos psicológicos por trás de momentos de iminente agressão contribui para fuga ou o emprego de ações que se antecipam ao ataque de alguém. Porém, por melhor que seja o treino e as técnicas praticadas, se uma conhecedora profunda de autodefesa não tiver a convicção de que talvez ela precise chegar ao extremo de agredir alguém para evitar seu estupro ou o próprio assassinato, nada disso lhe valerá de nada. Talvez até alguém sem nenhum preparo, mas, paradoxalmente, com a convicção de que é preferível aleijar ou matar a morrer, terá melhores chances de se proteger. Eis aí mais uma vez o aforismo: Mulher, aprenda a matar!
 Em casos críticos – e penso que seja necessário destacar isso – Deus está do lado do mais forte ou da mais preparada – melhor é ser a mais bem preparada. Entre vítima e agressor, dificilmente haverá outra pessoa. Justiça verdadeira não existe. Um estuprador ou assassino, mesmo quando julgado e preso, fez um mal irremediável.
 Acho que meu ponto já está bem claro, apesar de falar de uma posição bem confortável de alguém que nunca precisará participar efetivamente dessa guerra. De qualquer forma, deixo essa primeira reflexão.
Em segundo lugar, gostaria de tratar dos aspectos simbólicos do aforismo em análise. Aquele que aprende literalmente a matar e o faz de modo consciencioso – sendo que mulheres costumam ser mais habilidosas nesse quesito do que os homens - compreende seu potencial e adquire maior autoconfiança, segurança e serenidade para enfrentar diferentes tipos de situações adversas. Quando se aprende a matar – no sentido que aqui defendo -, adquire-se um maior poder de enfrentamento do mundo, de firmeza e desenvoltura diante de pessoas e situações. Não necessariamente se fica embrutecido, pelo contrário, fica-se mais desperto, menos ingênuo e mais atento às pequenas, sutis e aparentemente inofensivas agressões, as quais costumam ir se avolumando até culminarem nas grandes e indefensáveis violências. Nessa perspectiva, quando se aprende a matar, é comum que as atitudes de quem tem a convicção de se defender até a última e mais crítica situação aniquilem no nascedouro as intenções dos agressores contumazes, que, por serem covardes, procuram sempre outras vítimas. E isso não tem a ver se a mulher é baixinha e magrinha, mas sim com uma postura mais ou menos combativa quando se está em contato com o algoz. (Há casos e casos – eu sei.)
Um exemplo clássico é olhar nos olhos do agressor, quando este procura intimidar com uma fala de cunho sexista; ou em vez de apertar o passo em uma situação da qual não se pode escapar, parar, voltar-se para o agressor, olhando-o destemidamente, e então perguntar de modo firme: Você precisa de ajuda? (Há casos e casos – eu sei.)
 Naturalmente, ações como essas não garantem cem por cento de eficácia, mas minimizam a chance de atuação do algoz, pois ele costuma se excitar quando sente que provoca medo na vítima e se desestimular quando sente que a vítima potencial não o teme ou que pode revidar. Lembre-se, estamos falando de covardes. Seria leviano, no entanto, desconsiderar que há casos e casos, e uma coisa é essa teoria bem superficial aqui, outra coisa é a hora em que a realidade chega até nós e nos bate à porta, quando não nos bate diretamente na face. Por esse motivo, enfatizo a necessidade do preparo e o cuidado para não cair na ilusão de que um curso de defesa pessoal de final de semana ou ler e se contentar com vídeos que ensinem essa ou aquela técnica de defesa sejam o bastante para garantir uma atitude adequada em situações extremas. Aprender a matar envolve junto com o preparo físico, sobretudo, o preparo psicológico para agir. Quem aprende a matar no muito, aprende a matar no pouco. Quem mata no pouco, frequentemente não precisa matar no muito.
 Voltando ao aforismo, repare que ele diz: “Mulher, aprenda a matar!” - ou seja, ele não orienta: “Mulher, mate!” Apesar disso, acrescento: “Mulher, se necessário, mate!” - a errada não terá sido você. E ainda que a Justiça e a sociedade não se coloquem a seu lado, você saberá que não falhou consigo mesma.
Por fim, já antecipo que não levanto a bandeira de que mulheres devem andar armadas – tampouco homens -, mas que quem esteja disposto a fazê-lo, que verdadeiramente se prepare para isso, que possua uma rotina de treino e senso de responsabilidade. A arma pela arma, seja pistola, faca ou o que for – é só um presente para o agressor quando quem a possui não sabe de fato utilizá-la.
Sei que não sou o dono da verdade, porém tenho certeza de que não são textões também que salvam uma vítima quando ela está diante de um agressor.




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