sexta-feira, 12 de abril de 2019

PROFESSOR DON JUAN

PROFESSOR DON JUAN: UM BARBA AZUL NAS ESCOLAS

 Recentemente, por conta de diversos eventos, uma memória oculta voltou-me à mente com relativa força. Mais ou menos há 27 anos, quando estava no 1º ano colegial, atual 1º ano do ensino médio, com meus 14 - 15 anos, apaixonei-me pela professora de Literatura. Foi algo platônico.
 Por que aconteceu, não sei. Talvez tenha algumas pistas: ela estava ensinando Romantismo e Ultrarromantismo – acho que isso ajuda. Ela também era uma versão desconhecida para mim de feminino. Tinha algo de selvagem em suas roupas e maquiagem, algo fora da curva. Tinha também paixão pela aula que dava e firmeza no que dizia. Ela sabia se impor na sala, ou seja, em suma, ela, naqueles idos da década de 1990, possivelmente com uns 28 - 30 anos, destoava do comum das mulheres que faziam parte de meu contexto. Ela tinha um estilo gótico de ser. 
 Certa vez, descobri que ela morava em uma rua próxima à minha. Vez ou outra, passava em frente à casa dela com intuito de vê-la, certamente suspirava. Não me lembro de suspirar, mas creio que suspirava.
 Minha sala tinha uns 40 alunos. Nunca falei com ela. Na verdade, nunca tive vontade. Ela não sabia meu nome, e eu não me recordo do nome dela – que coisa… Se ela me abordasse, é bem provável que eu gaguejasse, me sentisse um idiota, uma pessoa ridícula, sem prumo. Coisas comuns para alguém que pouco ou nada entende de relacionamento entre homem e mulher. Estranho seria eu me sentir confiante, seguro e até sedutor. Se eu tivesse 16, 17, 18, ou até mais, e fosse abordado por aquela mulher poderosa, não sei se minha reação seria diferente. Mesmo nutrido com a malícia do meio machista que permeava meu contexto cultural e social, não creio que possuiria forças para despertar um Don Juan íntimo capaz de me auxiliar a adentrar pelos caminhos da sedução e do amor para o qual meu sentimento platônico por ela aparentemente acenava. 
 Contudo, a pergunta que me faço hoje, com os meus quase 42 anos é: o que estaria passando pela mente dela se ela se aproximasse de mim insinuando-se lascivamente, fosse de modo mais tímido ou explícito? Seria possível a paixão inocente de um adolescente estabelecer convergência perfeita com a paixão experiente de uma mulher adulta? 
Penso, sinceramente, que não. Sou adulto e não consigo conceber essa ideia, porque minhas experiências, nos vários aspectos da vida, parecem-me enfáticas ao me demonstrar que um homem ou mulher adultos não conseguem simplesmente se apaixonar por adolescentes. E se é necessário explicação, não há problema, explico. 
 Bom, qualquer adulto é capaz de ler muitas emoções de um adolescente. Adolescentes, de modo geral, são mais transparentes que adultos. Por esse motivo, são também mais vulneráveis. São frequentemente mais românticos e idealistas. Demonstram suas emoções sem máscaras ou filtros – algo que praticamente perdemos ao sermos iniciados na vida adulta. Quando adultos, já estamos versados no uso de máscaras e filtros, pois a experiência acaba nos provando que a espontaneidade, a transparência, a emotividade e, principalmente, nossa boa vontade costumam ser alvo de manipulação, a qual resulta frequentemente em nosso próprio prejuízo. Mulheres jovens com bebês no colo, desamparadas pelos pais de seus filhos, não me deixam mentir. 
 Um adulto, diante de uma adolescente apaixonada, sabe perfeitamente que o amor platônico entre pessoas em posições geracionais tão distintas é algo que não deve ser profanado e não pode ser maculado com malícia. Afirmo isso, no entanto, sabendo que alguns colegas de profissão podem me acusar de puritanismo. Com o perdão da palavra, já adianto: Foda-se! Não tenho pacto de fidelidade com professores que seduzem, sexualizam e manipulam alunas adolescentes. E é neste ponto do texto que perdemos literalmente o pudor. Continuem por própria conta e risco. 

 Sigo em uma toada autobiográfica, a fim de analisar alguns pontos que considero importantes. Antes, contudo, vou elencar algumas frases machistas que já ouvi inúmeras vezes e sei que são conhecidas de muitos. Vamos a elas: 
 “Passou dos 50 quilos, está pronta para o abate.”
 “Saiu arrumadinha, está querendo dar.”
 “Olhou com carinha de quem está querendo dar.” 
 “Se faz de desentendida, mas sabe o que quer.” 
 “Deixou de ser consumidor para se tornar fornecedor” - comentário feito sobre ou para homens que têm filhas. 

 Eu poderia apresentar outras versões mais pesadas dessas frases, mas acredito que elas ilustram bem o ponto que nos interessa. Nós, homens, crescemos ouvindo isso, às vezes até pela boca de professores, tios, irmãos e amigos. Mas, voltemos aos relatos. No final da adolescência, confesso que não era uma pessoa extrovertida e capaz de estabelecer uma conversa mais interessante com alguém em quem tivesse interesse. Não possuía muitas habilidades sociais, pré-requisito importante para chamar a atenção de crushes. Um certo complexo de inferioridade naturalmente era presente em minha vida, principalmente na questão amorosa – nada que não seja comum à maioria das pessoas. Contudo, algo mudou quando fui para a faculdade. Percebi que comecei a despertar interesse em meninas da mesma idade ou um pouco mais jovens. Junto, surgiu uma confiança para tomar iniciativa, o que foi algo realmente excelente para mim. Porém, pude experimentar, pouco tempo depois, um fenômeno também desconhecido até então: o poder conferido a alguém que tem a palavra, representa o conhecimento e se impõe de certa forma diante de um público obrigatoriamente cativo. 
Por volta dos 22 anos, quando comecei a lecionar como estagiário em uma escola regular para o ensino médio, percebi a força magnética e naturalmente sedutora que um professor pode adquirir. E quem está nessa posição e já a experimentou, sabe do que estou falando. Percebi também que o que ocorre em uma sala de aula, no contexto que aqui tratamos, é somente um jogo de projeções muito efêmeras e deléveis. Um professor ou professora está somente desempenhando um papel; como um recorte de um indivíduo muito mais complexo, é alguém que atua diante dos alunos, ele não está sendo quem verdadeiramente é, do mesmo modo que cantores e artistas não estão no palco apresentando o que eles verdadeiramente são, independente da própria índole. 
 Assim, no papel de professor, não foram poucos os casos em que percebi situações como a que eu mesmo vivi quando adolescente diante daquela professora de Literatura – aliás, matéria que lecionei por anos. E sei que meus colegas de profissão conhecem muito bem esse fenômeno a que me refiro. Até aquele de nós, professores, que se julgue o mais feio e desinteressante, consegue, por pelo menos uns quinze anos em sala de aula, provocar uma paixãozinha desavisada em alguém. Isso, no entanto, não tem nada a ver com se gabar, pois inclusive não se trata de uma emoção ou sentimento de fato consistente, mas uma projeção de questões subjetivas que não dizem respeito exatamente ao objeto que recebe essas projeções, no caso o professor ou professora. 
 O que fazer diante do fenômeno? 
 Ora, deixar passar. Porque ele passa; como se diz: as projeções caem. E quando isso acontece, sobra somente o ser humano, despido de qualquer apelo sedutor. 
Quando esse adolescente torna-se mais experiente, ainda que não teorize a respeito, começa a compreender o fenômeno. Já no âmbito do adulto, o professor, ou seja, aquele que compreende o fenômeno - e o testemunha por ser seu objeto central – deve ser tomado de compaixão e empatia em favor de quem sofre com ele, nada mais – isso conforme, ao que parece, minha mera opinião. 
 Apesar disso, minha experiência provou que não é bem assim que acontece e que essa não é exatamente a regra. Alguém com complexo sério de inferioridade, quando se vê desejado por alunas, às vezes pode se encantar e acreditar que um certo poder lhe foi outorgado pela natureza da profissão, e passa a considerar que, portanto, não haveria mal em fazer uso dele. Então o tablado, além de envolver um aspecto subjetivo de sedução já mencionado, começa a ser palco de performance sedutora também de seu ator principal. Sim, amigas e amigos, nasce um professor Don Juan. 
 Por minha experiência, posso dizer que essa é uma tentação, sim. Ela deve ser muito presente tanto em escolas quanto faculdades, afinal, como é prazeroso ser solicitado, respeitado, admirado e desejado por alguém – nisso não há dúvida! Eu seria muito hipócrita em não admitir que um dos maiores prazeres de lecionar é também ser o alvo de atenção, admiração e respeito. Por esse motivo, quando essa relação se dá entre adultos, ela simplesmente não me interessa; no entanto, entre professores e adolescentes, isso me preocupa – e muito! 
 Faço a ressalva a fim de não ser injusto: professores envolvendo-se com alunas e ex-alunas – e vice-versa - não é uma novidade na história da humanidade, nem é tema que desejo problematizar aqui, contudo volto à questão dos adolescentes, pois esse é o maior enfoque do texto, senão o único. 
 Voltemos aos relatos então. 
 Tive experiências em salas de professores em muitas escolas - e preciso ser justo – não em todas, mas em algumas, presenciei conversas no mínimo inconvenientes. Uma delas diz respeito a comentários sexistas a respeito de alunas, suas características físicas, bem como a desejos inconfessáveis – confessados – que certos professores tinham de fazer isso ou aquilo.  
O que eu fiz diante daquilo? 
Ouvi, achei absurdo, mas me mantive calado. 
 Ouvi também professores falando de modo sexista de professoras. 
 O que fiz?
 Ouvi, achei absurdo, mas me mantive calado. 
 Ouvi casos de professores que saíram com alunas adolescentes, sentido-se desculpados pelo estigma de Lolita - “a adolescente que sabe muito bem o que está procurando”. 
 O que fiz? 
Segui o padrão de sempre. 
 Diretores e coordenadores, em alguns casos, sabiam o que acontecia. As atitudes, no entanto, eram bem reveladoras, lamentavam que aqueles casos pudessem tornar-se públicos, manchando a imagem glamourosa da escola. Interessante, né? 
 Certa vez, o que vi? 
 Vi um professor acariciando o cabelo de uma aluna de 1º ano de ensino médio. 
Sua voz suave e baixa não me permitiu ouvir do que se tratava – certamente “uma brincadeirinha sem importância”. A menina deve tê-lo achado “sem noção”. Era um homem de 40, com esposa e filhos, bem conceituado na comunidade e na igreja que frequenta. 
 O que fiz? 
 Fiz muito pouco, só não acreditei no que estava vendo. 
 Falar de um colega e fazê-lo perder o emprego? 
 Talvez não perdesse, pois sua conduta seria relativizada, amenizada e, afinal de contas, talvez eu só tivesse interpretado mal algo inofensivo e inocente. Não creio, no entanto, nessa última tese. 
 Conheci um caso mais grave, semelhante ao que é descrito como Síndrome de Don Juan; era um professor que saía com inúmeras mulheres ao mesmo tempo, inclusive alunas. Uma com quem se envolveu parece que se apaixonou por ele e se dispôs a uma declaração pública – saiu humilhada do cursinho. Quem o ouvisse falar da própria vida e das desventuras na vida amorosa, acreditaria estar diante de uma grande vítima do destino e da incompreensão alheia. Era um cara simpático, como é a maior parte dos Don Juans, porém suas ações, analisadas friamente, indicavam que apenas era um homem frívolo, para o qual o sentimento das mulheres e adolescentes com as quais se envolvia não significava nada. Lembrei-me agora do conto do Barba Azul, o qual recomendo a adolescentes apaixonadas ou em vias de se apaixonar por professores e boys de 40 anos.

 Recentemente, conversei com ex-alunos e me decepcionei ainda mais com relatos envolvendo colegas conhecidos de profissão. Alguns da lista me surpreenderam, outros só serviram para juntar mais histórias da mesma categoria. E, então, passei a me perguntar: será que todos da lista desenvolveram transtorno de personalidade narcisista, antissocial ou histriônica, ou parte deles simplesmente sucumbiu a uma cultura machista, sexista e narcisista dentro da qual, pelo empréstimo da profissão, tentam lidar com um complexo de inferioridade profundo? 
 Sei, entretanto, que seu rastro é longo, e que um professor que tenta seduzir uma adolescente ou a aborda de maneira dúbia e sexista não merece estar em uma sala de aula, ainda que tenha todas as titulações e capacidade intelectual para estar lá. Se algum de meus colegas discorda de minha posição e acredita que de fato existam Lolitas na vida real, peço que comentem este texto, mas não sem antes enviar mensagens para todas as alunas e ex-alunas que passaram por situações semelhantes às descritas há instantes. Consultem-nas, perguntem o que elas acham desse tipo de conduta, estenda as perguntas aos pais, mães e responsáveis. Certamente a resposta deverá surpreendê-los, pois lhes asseguro que será muito diferente do que imaginam, mais diferente ainda dos comentários que frequentemente devem ouvir entre professores que possuem a mesma conduta. 
 É interessante também lembrar que a nossa legislação não romantiza Don Juanismo entre adultos e adolescentes e que, inclusive, coordenadores e diretores que encobrem atos desse tipo – para livrar a imagem da escola ou por condescendência - tornam-se cúmplices de um crime. É também importante dizer que adolescentes podem denunciar e, sobretudo, não devem se calar diante de situações que firam sua dignidade. 

 Por fim – e este parágrafo é especialmente para uma adolescente apaixonada por um professor -, se você sentir que a gentileza de seu crush professor extrapola a boa vontade e que ele está receptivo a uma investida amorosa ou toma iniciativa nesse sentido: Corra! Seu príncipe é um sapo, daqueles venenosos e muito perigosos! O amor platônico não é um problema. Por enquanto, é preferível ficar no mundo das ideias a descobrir que o príncipe não passa de um terrível Barba Azul, cujo rastro é violento, embora, para muitos, não pareça.

 Leonardo Cassanho Forster

Nenhum comentário:

Postar um comentário